Curiosidade: o combustível da inovação

Tempo de Leitura: 5 minutos

Inovação

Arquivo NASA

Eu escolhi essa imagem de capa não por acaso. Ela é uma selfie do Curiosity Mars, o rover que está desde agosto de 2012 em solo marciano, capturando imagens, dados e produzindo experimentos científicos para nos ajudar a entender melhor o planeta e planejar possíveis aventuras humanas por lá.

A curiosidade, em forma de rover ou de processo mental, parece traduzir uma característica intrínseca do ser humano: a busca por informação. Não fosse pela curiosidade de observar e experimentar, mesmo face à incerteza e perigo, talvez não tivéssemos sobrevivido aos primeiros milhares de anos da existência humana. Da busca por significado e direção nas estrelas à exploração espacial, a curiosidade esteve lá para nos impelir a encontrar formas de modelar nosso entendimento do mundo e saciar nosso ardente desejo por respostas.

O que é curiosidade

Enquanto não há uma definição de curiosidade completamente aceita no meio científico, as visões mais abrangentes a definem como a “busca por informação”, o que a torna falha. O psicólogo Daniel Berlyne (1954) dividiu a curiosidade em dois eixos: perceptiva x epistêmica e diversificada x específica. Abordagens mais contemporâneas, como as de Loewenstein (1994) e Oudeyer & Kaplan (2007) tentam diferenciar a “busca por informação” em extrínseca e intrínseca, sendo a última relacionada à criatividade num senso estrito. Cada uma dessas (e outras) definições leva em consideração motivações abrangências diferentes e, por tentarem formular uma proposição única e universal da curiosidade (em animais humanos e não humanos, recém nascidos e adultos), encontram dificuldades no caminho.

Aqui eu vou tomar como base a proposição de George Loewenstein, que define a curiosidade como:

“uma privação cognitiva induzida que surge da percepção de um gap entre conhecimento e entendimento”.

Ou seja, a curiosidade surgiria de uma discrepância entre o que uma pessoa sabe e o que ela quer saber. 

Então foram feitos experimentos para entender melhor essa discrepância que motiva a curiosidade, como os de Gittins & Jones (1974) e Kinney & Kagan (1976). Eles descobriram que não é qualquer gap que desperta a curiosidade – mas que parece existir um ponto ótimo de novidade para o maior estímulo dela; e que uma informação muito previsível parece ser tão desinteressante para nosso cérebro quanto uma informação surpreendente demais. 

Esse ponto ótimo seria então a informação moderadamente nova. Ou seja, nós buscamos com mais curiosidade informações que talvez a gente saiba a resposta, mas não temos certeza disso.

E, pensando bem, faz todo sentido, né? É mais fácil você querer saber a comida favorita do seu ídolo do que de alguém que você nunca ouviu falar! Ou num jogo de Trivia, as cartas que você fica mais curioso pela resposta são as que você acha que pode ter acertado, não as que você não fazia a mínima ideia da resposta.

Curiosidade e aprendizado

Biologicamente, a curiosidade tem papel crítico no desenvolvimento humano. Nós somos a espécie que nasce mais despreparada para enfrentar as adversidades do mundo, com nossa cabeça desproporcionalmente grande e nenhum mecanismo de defesa. Mas nossa capacidade de buscar e absorver informação parece ter uma vantagem evolutiva muito superior às desvantagens dessa fragilidade física. Nossa curiosidade e capacidade de absorvermos praticamente tudo do meio externo também nos possibilitou ser uma das espécies mais adaptáveis às circunstâncias do mundo exterior e contribuiu diretamente para a nossa presença nos 5 continentes.

A busca por informação gerada pela curiosidade também tem relação direta com nossa capacidade de reter e criar memória. Quando descobrimos a resposta para algo que queríamos, nosso sistema de recompensa é ativado estimulando o Giro para-hipocampal e o hipocampo, a região e a estrutura do cérebro que desempenham um importante papel na codificação e recuperação da memória.

Quanto mais curiosos estamos por uma resposta, maior nossa capacidade de reter aquela informação a longo prazo.

“A função primária da curiosidade é facilitar o aprendizado”. – Kang et al. (2009)

Curiosidade e inovação

Talvez você já tenha lido meu texto sobre First Principles, onde eu explico por que acredito que buscar as verdades mais fundamentais é a melhor forma de solucionar problemas complexos e inovar. Se não leu ainda, vale a pena.

Basicamente, a própria ideia de tentar buscar as verdades fundamentais embutidas nas coisas, verdades enterradas abaixo da camada superficial e invisíveis ao olhar desatencioso, só pode vir de um desejo de encontrar as informações que faltam – o gap a que Loewenstein se refere. Esse desejo então nada mais seria que a curiosidade.

Uma coisa muito interessante sobre a curiosidade é que pela definição intrínseca, ela não tem um objetivo final estratégico claro; é simplesmente uma forma de saciar uma vontade por informação para melhor entender algo. Ou seja, se você quer saber a resposta da questão 3 da prova de matemática para tirar uma nota melhor, você não está de fato curioso por aquela informação.

Essa busca por informação, aparentemente sem objetivo, só pela curiosidade, somada à sagacidade, parece formar o caminho de tijolos amarelos rumo à Serendipity, super benéfica à inovação.

Serendipity

“O acaso só favorece a mente preparada”. – Louis Pasteur.

A palavra Serendipity vem do conto infantil Os Três Príncipes de Serendip, baseado num conto de fadas Persa, onde os príncipes da história estavam sempre fazendo descobertas, por acidente e sagacidade, de coisas que eles não estavam buscando. Infelizmente, o uso do termo é banalizado e o significado real muitas vezes removido. Serendipity não é simplesmente uma coincidência ou sorte. Nem sobre simplesmente consumir a maior quantidade de informação possível. Serendipity é sobre observação.

Se a curiosidade é tentar preencher os buracos entre conhecimento e entendimento, serendipity é construir pontes onde havia buracos. Não adianta apenas consumir informação; é preciso fazer um esforço para conectá-las. E para construir pontes primeiro é necessário ter dois espaços distantes um do outro.

Além disso, não precisamos ficar esperando o acaso aparecer. Podemos cultivar alguns hábitos que ao mesmo tempo nos ajuda a buscar novas informações e perceber as possíveis conexões que se apresentam no nosso dia-a-dia. 

Aqui eu vou compartilhar algumas das coisas que me ajudam, pessoalmente, a exercitar a curiosidade e a sagacidade.

5 hábitos para ser uma pessoa curiosa

Saia da sua bolha

No nosso mundo de algoritmos que escolhem o que devemos ver e curtir – e, em última instância, como vamos pensar – estamos cada vez mais presos em caminhos pré definidos, com nossa exposição mais ou menos limitada às pessoas que pensam como nós. A bolha é um lugar muito confortável, afinal nossas crenças e verdades não são desafiadas ali e o status quo prevalece. Tanto conforto não é um bom berçário para a curiosidade. Precisamos nos perguntar o que há para além dos muros; precisamos ver, ouvir e viver experiências diferentes. A partir do momento em que abrimos um buraquinho no muro e conseguimos vislumbrar o desconhecido, a chama interna da curiosidade renasce em nós.

Então, em vez de querer “cancelar” tudo que não te agrada e se isolar em meio a quem tem as mesmas condições e pensamentos que você, tente de vez em quando furar o muro, buscar os argumentos que contradizem seu ponto de vista, para daí poder fazer sentido do mundo com autonomia. Em pouco tempo o seu muro vai parecer menos com tijolos intransponíveis e mais com uma rede, e você vai poder ter uma visão mais completa do que há lá fora.

Valorize jogos e exploração e tente novas perspectivas

Uma forma legal de sair dos nossos padrões e diminuir o poder das restrições que impomos na nossa mente é tratar a coleta de informações como uma “missão exploratória”! Crianças fazem isso o tempo todo. Elas imaginam que o chão é lava ou que são piratas e criam cenários e exploram as possibilidades usando o que têm em volta. Muitas vezes, assim, elas imaginam usos diferentes para coisas do dia-a-dia – uma vassoura vira o mastro e uma toalha vira a vela.

Da mesma forma, você pode transformar a exploração de novas ideias como um jogo. Seja algo como aprender uma coisa nova por dia (o learnsomethingeveryday não é mais atualizado, mas tem um repertório enorme de curiosidades) ou se desafiar a buscar e entender os argumentos que quem tem uma visão contrária à sua possuem, para depois debater os pontos de vista (como sugeria Hegel, com a tese, antítese e síntese) ou mesmo dedicar alguns minutos do seu dia para aprender mais sobre algo que acha interessante, como exploração espacial (meu caso!) ou sobre o impacto da rota da seda não só na difusão de mercadorias, mas de religião e cultura. Você escolhe! Qualquer que seja o seu hobby, aprender sobre algo que te interessa mantém a curiosidade viva. E quem sabe numa dessas você tem um insight que te ajuda num problema real?

Escute mais do que fale

Sabe aquele ditado de que não é por acaso que temos 2 orelhas e só 1 boca? 

Escutar é uma parte importantíssima da curiosidade – afinal, nós só falamos sobre coisas que já estão de alguma forma configuradas no nosso cérebro, e somente através da escuta é que podemos ser apresentados à novidade. E quando me refiro à escuta aqui, me refiro a toda forma de input de informações – observar com todos os sentidos. Escutar mais do que falar, ler mais do que escrever, observar mais do que julgar.

A mente humana é como um software. Para fazermos julgamentos adequados do mundo, precisamos primeiro coletar informações e depois processá-las. Se a quantidade das informações que você está coletando é insuficiente (ou demais, com muito ruído), sua capacidade de ganhar insight vai ser prejudicada. Então buscar a quantidade (e qualidade) adequada de informações é essencial para usar sua capacidade de processamento para chegar a conclusões realmente úteis.

Esse princípio também é utilizado na ciência, onde observação empírica e experimentação são etapas fundamentais que precedem qualquer conclusão.

Não considere as coisas como certas

Essa é uma expressão que eu não consigo achar uma equivalência real de significado em português. Don’t take things for granted quer dizer não entrar num estado de inércia por uma certeza de resultado ou limitação.

Achar que as coisas simplesmente são como são é dar um soco no estômago da criatividade. Te faz parar de buscar respostas e aprender a conviver com os gaps de entendimento como todo mundo. Ao observar o mundo à sua volta e questionar até mesmo as coisas mais naturais, como por que o céu é azul, você sai do modo default e passa a encarar com curiosidade o dia-a-dia – te ajudando a, eventualmente, observar também as coisas não óbvias que ninguém viu ainda. 

Crianças são mestres nisso. Elas não estão acostumadas com nada que existe ainda e não têm quantidade suficiente de informações para processar o mundo. E mais, elas não têm vergonha de parecerem “burras”. Então a melhor forma de tentar resolver isso que elas têm é perguntando aos adultos o porquê das coisas. E o porquê dos porquês. Não ter medo de perguntar os porquês é um sinal de que a curiosidade vive aí dentro.

Um dos lugares que eu mais gosto na internet com esse espírito da pergunta é no Reddit, o r/explainlikeimfive. Lá as pessoas fazem as perguntas que todo mundo já se perguntou um dia mas teve vergonha de colocar pra fora. Então, outras pessoas explicam de forma simples os porquês, sejam especialistas no assunto ou não. O mais interessante é que sempre surgem discussões nos tópicos e as pessoas vão umas corrigindo as outras. No fim das contas, você entra por causa de uma pergunta e sai de lá com várias outras informações também!

Faça da aprendizagem algo prazeroso

Por fim, o ponto mais importante, na minha opinião, é que, qualquer que seja seu interesse ou modo de estimular a curiosidade, que ele seja prazeroso.

Nós vimos que o cérebro aciona os mecanismos de recompensa quando descobrimos algo que tínhamos curiosidade de saber, e que nesse processo ativa a região do hipocampo, consolidando aquela informação na memória. 

Além de ajudar a guardar informações com mais eficácia, as sensações de prazer (recompensas do cérebro) ajudam essas informações a ficarem mais acessíveis para usos futuros. Isso porque cada memória é como uma casa na nossa mente. Existe o caminho principal para acessar a casa (a calçada para a porta da frente), mas existem também vários outros caminhos possíveis, como ir pela grama até a janela, entrar pela porta de trás ou dar a volta na casa até chegar à porta da frente. 

Os sentimentos e outros sentidos (como cheiros e sons) nos ajudam a acessar lembrar como chegar à casa mesmo quando a grama cresceu e o caminho principal parece bloqueado. Então, ao adicioná-los na mistura, você aumenta as chances de acessar aquela memória no longo prazo.

Ah, e essa analogia maravilhosa eu aprendi no r/explainlikeimfive.

Agora me conta, você se considera uma pessoa curiosa? Acha importante estimular a curiosidade? Que ferramentas e métodos você usa? Tô curiosa para saber!

Danielle Teixeira é Designer de Inovação e escreve para o Bípede quinzenalmente. 

Referências:

NASA Curiosity Mission.

KIDD, Celeste; HAYDEN, Benjamin Y. The psychology and neuroscience of curiosity.

Harvard Business Review – Why curiosity matters.

BBC Neurohacks – Why are we so curious?

LOEWENSTEIN,  George. The Psychology of Curiosity: A Review and Reintrepretation. Psychological Bulletin. 1994.

Kinney DK, Kagan J. Infant attention to auditory discrepancy. Child Development. 1976;47:155–164.

Wikipedia – Serendipity

Learn Something Everyday

Reddit – Explain Like I’m Five

George Loewenstein Et.al – The wick in the candle of learning: Epistemic curiosity activates reward circuitry and enhances memory

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