Como a física pode te ajudar a inovar

Tempo de Leitura: 7 minutos

Marcos estava dirigindo seu caminhão, quando sofreu uma parada brusca. Ele não tinha prestado atenção e sem querer tentou passar embaixo de uma ponte que era da mesma altura que o caminhão. O caminhão estava tão preso que ele não conseguia nem ir para frente nem para trás. Um outro caminhoneiro se aproximou e disse que ele conseguiria facilmente tirar aquele caminhão debaixo da ponte. O que ele sugeriu?

 

O problema do caminhão preso esconde uma estratégia relativamente simples, que é utilizada desde a antiguidade para resolver problemas complexos que parecem não ter solução e desbloquear inovações contraintuitivas.

 

De Aristóteles a Elon Musk

 

“Dado que, em todos os estudos nos quais há princípios, causas ou elementos, sabemos quando reconhecemos estes últimos (pois julgamos compreender cada coisa quando reconhecemos suas causas primeiras e primeiros princípios, bem como seus elementos), evidentemente devemos, de início, tentar definir também o que concerne aos princípios da ciência da natureza”.

 

Aristóteles, em seu livro Física I, define a noção de Primeiros Princípios (First Principles) como a busca pelas verdades fundamentais do objeto de estudo, ou seja, os princípios, causas e elementos que o constituem, pois somente assim podemos conhecer e entender o objeto com profundidade suficiente para daí derivar ideias e soluções.

 

O modelo mental dos Primeiros Princípios foi a base para a criação do método científico e ganhou notoriedade principalmente por meio da Matemática e da Física e suas descobertas. Euclides, o pai da Geometria, utilizou esse modelo para criá-la, ao perceber que todas as formas geométricas planas têm três princípios básicos: o ponto, a linha e o ângulo, e daí derivou axiomas para explicá-las. 

 

O uso do princípio é especialmente notável na criação da Mecânica Quântica que, se tivesse sido baseada nos preceitos e paradigmas já existentes, não teria sido criada! E, claro, na Teoria da Gravidade, que serve como base para o desenvolvimento da Física, Engenharia e Astronomia, entre outras.

 

Falando em Astronomia e vindo para o mundo contemporâneo, Elon Musk, empresário em série dono da SpaceX, Tesla, e Solar City, atribui ao uso dos Primeiros Princípios suas ideias ousadas e inovadoras e o sucesso das suas empresas. Ao pensar primeiro nos princípios, ele pôde criar soluções de baterias e foguetes mais baratos e reutilizáveis; coisa que todos diziam que era impossível, pois nunca se tinha feito nada assim.

 

Se você quer inovar, não copie o que os inovadores estão fazendo; copie como eles pensam.

 

A regra geral de Empreendedorismo 101 difundida por aí é de olhar para o que os outros estão fazendo e copiar o modelo para um novo segmento. E aí surgem as várias startups “É tipo Uber, sabe, só que pra salão de beleza”. Enquanto eu não duvido da disposição e até o sucesso desse tipo de iniciativa, o que acontece quando as soluções são tidas como one fits all e replicadas entre diversos segmentos e tipos de cliente, é que a solução para o problema A pode até funcionar no problema B, mas existe uma boa chance dela não ser a melhor solução possível para B. E isso faz toda a diferença.

 

E mais, se o seu objetivo for criar uma startup revolucionária, usar o pensamento por analogia definitivamente não vai te levar até lá.

 

A Netflix, quando revolucionou o entretenimento cinematográfico com o streaming não simplesmente se baseou no que já estava sendo feito no mercado de filmes, só que um pouquinho melhor. Ele entendeu alguns primeiros princípios, mais ou menos assim: 

  • as pessoas assistem a filmes;
  • as pessoas assistem a filmes em casa;
  • as pessoas decidem quando querem ver filmes
  • a fisicalidade do filme é limitada

 

E, derivando dessas premissas básicas, criou uma forma de que qualquer pessoa pudesse ver o filme que quisesse na hora que quisesse, de onde quisesse. Sem restrições que pareciam insuperáveis, como quantidade de assentos no cinema, preço do ingresso e disponibilidade dos títulos (e quantidade) nas locadoras. Tudo ao trocar o ponto de vista.

 

A mesma coisa aconteceu com o Uber, com o AirBnB, com a Amazon, com o Ifood, com a internet, com a Microsoft e depois com a Apple. Todas as inovações que viraram o mercado e o comportamento em novas direções e quebraram o modus operandi vigente têm a utilização dos Primeiros Princípios em suas origens – às vezes de forma consciente, às vezes não.

 

“We can’t solve problems using the same kind of thinking we used when we created them”. – Albert Einstein

 

Por que mesmo sendo aparentemente simples, é tão difícil aplicar o First Principles?

 

A resposta está na neurociência.

 

Nosso cérebro é uma máquina biológica que se desenvolveu para reconhecer e reagir. Nosso processo de socialização e cultura nos fornece uma biblioteca de informações – conscientes e inconscientes – e instruções. Sempre que nos deparamos com um estímulo, nosso cérebro toma o atalho de tentar achar na nossa biblioteca um título parecido e reagir de acordo com aquelas instruções. Mesmo quando a informação sendo captada é completamente nova. É muito mais fácil tentar achar um livro que sirva mais ou menos para aquele problema do que tentar escrever um livro novo.

 

E escrever o livro novo é função do Córtex Pré Frontal, que é muito recente na escala de evolução humana. Pensar diferente é um esforço consciente e muito mais difícil. E aí entram dois conceitos importantes: o Design Fixation e a Fixação Funcional.

 

Design fixation

 

Design fixation é a tendência que temos de nos fixar em soluções conhecidas, enquanto tentamos criar soluções novas. São limitações que nós mesmos definimos, e que nos impedem de pensar em soluções não óbvias.

 

Um estudo do Institute for Innovation and Design in Engineering fez uma série de experimentos para comprovar o Design Fixation. No estudo, alunos de Design de Engenharia foram solicitados para criar produtos inovadores para desafios propostos. Metade do grupo recebia uma folha apenas com o problema a ser resolvido e a outra metade uma folha com o problema e um exemplo de solução com algumas falhas descritas. Era pedido que os alunos criassem o máximo de soluções possíveis no tempo fornecido. 

 

Foram feitos três experimentos, com alunos diferentes. Então foram avaliados critérios como quantidade de soluções e frequência de soluções com características mostradas no exemplo. Em todos eles, o grupo que recebeu a folha com o exemplo usaram, em média, 2x mais características das soluções apresentadas no exemplo. Então os pesquisadores fizeram um experimento com engenheiros experientes, para ver se a experiência profissional mitigava a fixação – e o resultado foi o mesmo.

 

Functional Fixedness

 

A Fixação de Design tem uma raiz próxima da Fixação Funcional (Functional Fixedness), que é um viés cognitivo que limita a pessoa a usar um objeto somente do modo que ele é tradicionalmente usado. Ou seja, temos a tendência de pensar e descrever as coisas com base em suas funções conhecidas.

Descreva esse objeto

 

Essa nossa fixação faz com que vejamos as coisas como um ente e limita nosso leque de usos dos objetos e ideias, limitando assim, as soluções que criamos para os problemas.

 

Se você respondeu vela amarela para a pergunta acima, você sofre de Fixação Funcional 😉

 

Como usar o First Principles para evitar a Fixação de Design e a Fixação Functional?

 

Então já vimos que o First Principles é usado há muito tempo pelas mentes mais criativas e inovadoras que andaram sobre a Terra; por que é tão difícil sair da caixinha; e exploramos duas tendências cognitivas que limitam o pensamento criativo para obtenção de ideias novas. Mas como efetivamente usar esse princípio?

 

Bom, aí eu quero apresentar um último conceito a você: o Generic Parts Technique (GPT)

 

Generic Parts Technique

 

Essa técnica, criada por Tony McCaffrey, da University of Massachusetts Amherst, tem como premissa que, nos objetos existem Características Ocultas, características que não são vistas pensando por analogia ou função e que se revelam ao se examinar minuciosamente esses objetos. 

 

“Uma análise recente de problemas do mundo real que levaram a invenções históricas e problemas de insight que são utilizados em experimentos psicológicos sugere que, durante soluções de problemas inovadoras, indivíduos descobrem pelo menos uma característica raramente notada ou nova (obscura) do problema que pode ser usada para chegar a uma solução”. (McCaffrey, 2012) 

 

A técnica consiste em fazer um esforço consciente para notar todas as características de um objeto (Ex.: partes, material, forma e tamanho), a cada etapa quebrando descrições que impliquem uso em partes menores. E assim, ir criando um diagrama, em forma de árvore, com todas as características descobertas. Dessa forma, na base da árvore estarão os princípios fundamentais daquele objeto de estudo.

 

Com esse tipo de visão, é mais fácil se libertar do condicionamento da fixação funcional, achando novos usos para cada componente desses objetos e soluções não óbvias. Fazendo isso, uma vela amarela pode então ser descrita como:

Agora, além de uma vela, eu tenho um cordão e uma forma cilíndrica lipídica. Assim, eu posso usar o cordão para amarrar algo, para medir ou para pendurar algo, por exemplo. E talvez possa usar o cilindro para esticar massa de pizza, para fazer uma rolha, para impermeabilizar um tênis de pano ou para desenhar num papel.

 

Por fim, vamos começar

 

Se livrar completamente do pensamento por analogia e dos vieses cognitivos significa ir contra pelo menos 2.5 milhões de anos de evolução. Pode ser que a tecnologia chegue lá e nos ajude nisso, mas por enquanto seria absolutamente exaustivo (nosso cérebro evoluiu assim por um motivo!) pensar em First Principles o tempo inteiro (algo meio Michael, de Prison Break). Porém, quanto mais você treinar esse tipo de mindset, mais fácil será acessá-lo quando precisar resolver problemas com soluções não óbvias. E nem preciso dizer que se você tem ou quer ter uma startup inovadora, usar o First Principles vai te beneficiar muito.

 

Você já conhecia o First Principles? Já usou? Comenta aqui embaixo suas impressões e experiências!

 

E aproveita e volta lá ao problema do caminhão e também me diz qual você acha que foi a sugestão do caminhoneiro.



Referências

 

JANSSON, David G.; SMITH, Steven M. Design Fixation. Institute for Innovation and Design in Engineering, Texas A&M University.

MCCAFFREY, Tony. Innovation Relies on the Obscure: A Key to Overcoming the Classic Problem of Functional Fixedness. Psychological Science.

Aristóteles. Física I.

Kacper Grass. Who uses first principles and why you should become one of them.

Wikipedia: Euclidean Geometry

 

Danielle Teixeira é Designer de Inovação e escreve para o Bípede quinzenalmente. 

 

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