Marcos estava dirigindo seu caminhão, quando sofreu uma parada brusca. Ele não tinha prestado atenção e sem querer tentou passar embaixo de uma ponte que era da mesma altura que o caminhão. O caminhão estava tão preso que ele não conseguia nem ir para frente nem para trás. Um outro caminhoneiro se aproximou e disse que ele conseguiria facilmente tirar aquele caminhão debaixo da ponte. O que ele sugeriu?
O problema do caminhão preso esconde uma estratégia relativamente simples, que é utilizada desde a antiguidade para resolver problemas complexos que parecem não ter solução e desbloquear inovações contraintuitivas.
De Aristóteles a Elon Musk
“Dado que, em todos os estudos nos quais há princípios, causas ou elementos, sabemos quando reconhecemos estes últimos (pois julgamos compreender cada coisa quando reconhecemos suas causas primeiras e primeiros princípios, bem como seus elementos), evidentemente devemos, de início, tentar definir também o que concerne aos princípios da ciência da natureza”.
Aristóteles, em seu livro Física I, define a noção de Primeiros Princípios (First Principles) como a busca pelas verdades fundamentais do objeto de estudo, ou seja, os princípios, causas e elementos que o constituem, pois somente assim podemos conhecer e entender o objeto com profundidade suficiente para daí derivar ideias e soluções.
O modelo mental dos Primeiros Princípios foi a base para a criação do método científico e ganhou notoriedade principalmente por meio da Matemática e da Física e suas descobertas. Euclides, o pai da Geometria, utilizou esse modelo para criá-la, ao perceber que todas as formas geométricas planas têm três princípios básicos: o ponto, a linha e o ângulo, e daí derivou axiomas para explicá-las.
O uso do princípio é especialmente notável na criação da Mecânica Quântica que, se tivesse sido baseada nos preceitos e paradigmas já existentes, não teria sido criada! E, claro, na Teoria da Gravidade, que serve como base para o desenvolvimento da Física, Engenharia e Astronomia, entre outras.
Falando em Astronomia e vindo para o mundo contemporâneo, Elon Musk, empresário em série dono da SpaceX, Tesla, e Solar City, atribui ao uso dos Primeiros Princípios suas ideias ousadas e inovadoras e o sucesso das suas empresas. Ao pensar primeiro nos princípios, ele pôde criar soluções de baterias e foguetes mais baratos e reutilizáveis; coisa que todos diziam que era impossível, pois nunca se tinha feito nada assim.
Se você quer inovar, não copie o que os inovadores estão fazendo; copie como eles pensam.
A regra geral de Empreendedorismo 101 difundida por aí é de olhar para o que os outros estão fazendo e copiar o modelo para um novo segmento. E aí surgem as várias startups “É tipo Uber, sabe, só que pra salão de beleza”. Enquanto eu não duvido da disposição e até o sucesso desse tipo de iniciativa, o que acontece quando as soluções são tidas como one fits all e replicadas entre diversos segmentos e tipos de cliente, é que a solução para o problema A pode até funcionar no problema B, mas existe uma boa chance dela não ser a melhor solução possível para B. E isso faz toda a diferença.
E mais, se o seu objetivo for criar uma startup revolucionária, usar o pensamento por analogia definitivamente não vai te levar até lá.
A Netflix, quando revolucionou o entretenimento cinematográfico com o streaming não simplesmente se baseou no que já estava sendo feito no mercado de filmes, só que um pouquinho melhor. Ele entendeu alguns primeiros princípios, mais ou menos assim:
- as pessoas assistem a filmes;
- as pessoas assistem a filmes em casa;
- as pessoas decidem quando querem ver filmes
- a fisicalidade do filme é limitada
E, derivando dessas premissas básicas, criou uma forma de que qualquer pessoa pudesse ver o filme que quisesse na hora que quisesse, de onde quisesse. Sem restrições que pareciam insuperáveis, como quantidade de assentos no cinema, preço do ingresso e disponibilidade dos títulos (e quantidade) nas locadoras. Tudo ao trocar o ponto de vista.
A mesma coisa aconteceu com o Uber, com o AirBnB, com a Amazon, com o Ifood, com a internet, com a Microsoft e depois com a Apple. Todas as inovações que viraram o mercado e o comportamento em novas direções e quebraram o modus operandi vigente têm a utilização dos Primeiros Princípios em suas origens – às vezes de forma consciente, às vezes não.
“We can’t solve problems using the same kind of thinking we used when we created them”. – Albert Einstein
Por que mesmo sendo aparentemente simples, é tão difícil aplicar o First Principles?
A resposta está na neurociência.
Nosso cérebro é uma máquina biológica que se desenvolveu para reconhecer e reagir. Nosso processo de socialização e cultura nos fornece uma biblioteca de informações – conscientes e inconscientes – e instruções. Sempre que nos deparamos com um estímulo, nosso cérebro toma o atalho de tentar achar na nossa biblioteca um título parecido e reagir de acordo com aquelas instruções. Mesmo quando a informação sendo captada é completamente nova. É muito mais fácil tentar achar um livro que sirva mais ou menos para aquele problema do que tentar escrever um livro novo.
E escrever o livro novo é função do Córtex Pré Frontal, que é muito recente na escala de evolução humana. Pensar diferente é um esforço consciente e muito mais difícil. E aí entram dois conceitos importantes: o Design Fixation e a Fixação Funcional.
Design fixation
Design fixation é a tendência que temos de nos fixar em soluções conhecidas, enquanto tentamos criar soluções novas. São limitações que nós mesmos definimos, e que nos impedem de pensar em soluções não óbvias.
Um estudo do Institute for Innovation and Design in Engineering fez uma série de experimentos para comprovar o Design Fixation. No estudo, alunos de Design de Engenharia foram solicitados para criar produtos inovadores para desafios propostos. Metade do grupo recebia uma folha apenas com o problema a ser resolvido e a outra metade uma folha com o problema e um exemplo de solução com algumas falhas descritas. Era pedido que os alunos criassem o máximo de soluções possíveis no tempo fornecido.
Foram feitos três experimentos, com alunos diferentes. Então foram avaliados critérios como quantidade de soluções e frequência de soluções com características mostradas no exemplo. Em todos eles, o grupo que recebeu a folha com o exemplo usaram, em média, 2x mais características das soluções apresentadas no exemplo. Então os pesquisadores fizeram um experimento com engenheiros experientes, para ver se a experiência profissional mitigava a fixação – e o resultado foi o mesmo.
Functional Fixedness
A Fixação de Design tem uma raiz próxima da Fixação Funcional (Functional Fixedness), que é um viés cognitivo que limita a pessoa a usar um objeto somente do modo que ele é tradicionalmente usado. Ou seja, temos a tendência de pensar e descrever as coisas com base em suas funções conhecidas.