Pare de tentar validar a sua ideia!

Tempo de Leitura: 9 minutos

Então você teve uma ideia de ouro para um produto novo. Você tem certeza de que no momento em que você lançar a solução vai chover usuários querendo comprar de você e os investidores vão disputar entre si por um pedaço da sua empresa. Sua startup vai ser the next big thing.

Aí você pesquisa qual é o passo-a-passo para desenvolver uma startup ou, se já mais experiente, entra em um programa de aceleração – e BAM – todos te pedem a tal da validação da hipótese (dor). Você não entende por que tantas formalidades, afinal sua ideia é matadora. 

Mas ok, né. Você elabora uma pesquisa de mercado, divulga para algumas pessoas e descobre que realmente, você estava certo. Hipótese validada, é hora de começar os trabalhos, certo?!

Bem, não.

Volte duas casas

A verdade é que é quase qualquer coisa pode ser validada em uma pesquisa de mercado. Elas são o ambiente controlado perfeito para isso. O papel aceita tudo. Ele é como o tutorial de um jogo. Tudo dá certo, os controles são claros e atirar nos inimigos é fácil. Até que você entra no jogo de verdade e parece que nada do que você aprendeu é suficiente – você se embanana com os comandos, os inimigos nunca estão na posição certa para mirar e em 5 segundos você já morreu. (metáfora de quem é muito ruim em FPS).

Mas então você está dizendo que essas pesquisas são inúteis? Eu sabia!

Também não.

Pesquisas de mercado são uma das ferramentas para ganhar insights e validar ideias com menos risco embutido que você vai ter durante toda a existência da sua startup – e você deve tirar o máximo de proveito disso!

A questão é que, por mais que seja um ambiente controlado, uma simulação da realidade, o seu dever é fazer com que essa simulação seja a mais real possível. Você precisa fazer com que as pessoas te digam como elas realmente se comportam na vida real. Só que, muitas vezes, nem elas sabem.

Para deixar mais claro, vou te contar quais são os erros mais comuns que as pessoas cometem durante uma pesquisa com usuário e os motivos. 

Os erros mais comuns de uma pesquisa

Não fazer as perguntas certas

Se você não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve.

Lewis Carroll

Esse talvez seja o erro mais comum. A maior parte dos outros erros derivam dele de alguma forma.

Eu geralmente faço muitos paralelos com a ciência nos textos que escrevo aqui. Isso porque os métodos de busca e validação de startups se assemelham muito com o método científico. Acredito até que dá para usá-lo em quase tudo na vida. Ele nos ajuda na busca das verdades fundamentais, através de um processo de observação, experimentação e mensuração.

Da mesma forma que em um estudo científico, o que queremos com uma pesquisa é testar uma hipótese – descobrir se ela é verdadeira ou falsa. Para isso, precisamos de três coisas:

  1. Definir o que quer descobrir
  2. Fazer as perguntas correspondentes
  3. Mensurar os resultados

 

Agora vamos pensar numa situação hipotética: eu quero criar um app de livros digitais gratuitos. Minha hipótese é que as pessoas têm pouco acesso a livros. Meu questionário então ficou assim:

  1. Você acha que as pessoas leem poucos livros hoje em dia?
  2. Quantos livros você leu no último ano?
  3. Você gostaria de ler mais?

 

Conseguiu ver os erros?

Primeiro, o questionário não tem exatamente a ver nem com o meu app nem com minha hipótese. Mesmo que as pessoas respondam “sim” para as perguntas 1 e 3, isso quer dizer que a perda do hábito de leitura pode ser uma dor, mas não quer dizer que um app de livros digitais é a solução para ela!

Segundo, nas perguntas 1 e 3 eu estou direcionando as respostas das pessoas. Afinal, na pergunta 1 é senso comum dizer que as pessoas leem pouco hoje em dia e que as gerações estão perdidas por causa das redes sociais. Mas respostas senso comum não são interessantes para validar produtos. Elas são somente coisas que são repetidas a ponto de virarem a resposta automática, e podem não refletir comportamentos reais. E a pergunta 3 também induz a uma afirmação, afinal ninguém quer ser a pessoa iletrada que não quer ler. Pega mal. E mesmo em uma pesquisa as pessoas vão tender a darem a resposta que soa mais bonita. 

A única pergunta do questionário que seria de alguma forma relevante é a 2ª, que é clara, imparcial, objetiva, mensurável e útil para validar a ideia.

Querer ouvir a resposta que você já tem

Uma vertente muito comum de não fazer as perguntas certas é fazer as perguntas esperando uma resposta determinada. Se você observar o questionário que dei de exemplo, isso fica bem claro.

Quando criamos uma startup ou um produto, é normal que a gente já tenha uma imagem mental de como aquela solução vai ser, e nós ficamos viciados nela e cegos para as possibilidades.

Acontece que a intenção da pesquisa de mercado não é exatamente validar a solução que você pensou, mas principalmente descobrir a dor das pessoas. Uma solução vai poder dar certo se ela tiver tamanho e forma correspondentes a uma dor existente.

O que ocorre muitas vezes é que acabamos (conscientemente ou inconscientemente) direcionando as perguntas ou fazendo contorcionismos porque queremos validar algo que já está talhado em pedra na nossa cabeça. Afinal, é difícil ter desapego com nossas ideias.

Porém, ao fazer isso, você está sabotando as suas chances, e somente enganando a si mesmo, pois vai colocar todo esforço e dedicação em um produto que já nasceu inadequado. O melhor momento para aprimorar ou pivotar uma ideia é logo no começo. Ao fazer uma pesquisa imparcial, clara, objetiva e bem pensada é uma ótima forma de evitar dor de cabeça depois.

Então, da próxima vez que for fazer uma pesquisa, lembre-se de tentar buscar a dor real e os motivos dela existir, para daí poder pensar em qual seria a melhor solução para aquela dor (mesmo que não seja a solução que você estava imaginando).

Não achar o equilíbrio entre objetividade e subjetividade

Agora chegamos na parte mais subjetiva do planejamento de uma pesquisa. Por um lado, queremos que a pesquisa nos dê dados reais, claros e mensuráveis, para que possamos ter um diagnóstico no final. Por outro, corremos o risco de limitar tanto as possibilidades que deixamos escapar variações importantes.

Digamos que na minha pesquisa eu queira saber duas coisas:

  1. Qual a frequência que você pede delivery?
  2. Por que você pede delivery?

 

Se eu estiver fazendo uma pesquisa online, como seria a distribuição ideal entre perguntas objetivas e subjetivas nesse caso?

Bem, vai depender do que eu quero extrair da pesquisa. Quanto mais pré-definidas forem as respostas, mais quantitativa vai ser a análise. Quanto mais abertas, mais qualitativa ela vai ser. A regra geral é: se você precisa de dados mais quantificados e fáceis de comparar com outros, melhor fazer perguntas múltipla escolha; já se você quer ganhar insight de como seu consumidor pensa e fala, perguntas discursivas serão melhores. No fim das contas, você provavelmente vai ter uma mistura entre os dois tipos. Uma proporção 80 objetivas / 20 discursivas vai servir bem boa parte dos casos.

Com relação às duas perguntas, eu faria a primeira objetiva, tendo cuidado de pensar bem nas opções que colocaria, para não serem abrangentes nem específicas demais, ao mesmo tempo cobrindo a maior quantidade de possibilidades possível. Já a segunda pergunta poderia ser discursiva, porque seria difícil antecipar os motivos possíveis para alguém pedir delivery, e haveria um risco grande do usuário não se identificar com nenhuma das alternativas.

Completar as respostas do entrevistado

Outro erro muito comum se dá em situações presenciais de pesquisas ou testes com usuários. E mesmo que seu questionário seja a prova de balas, você ainda pode estar cometendo esse erro e diminuindo o valor dos dados coletados. É quando você (ou outra pessoa) completam a frase do entrevistado.

Às vezes a gente faz sem nem perceber. Você faz uma pergunta e a pessoa começa a responder. Mas ela está pensando e fazendo pausas enquanto fala. Como se estivesse buscando… 

– As palavras, né.

É. Mas esse costume “inocente” não é bom em uma pesquisa. Nela, as palavras que o entrevistado usa muitas vezes são tão importantes quanto a informação em si. Além disso, pode ser que a palavra que você sugeriu não tenha exatamente o mesmo significado da que ele usaria. E isso pode fazer bastante diferença.

Entrevistar as pessoas erradas

Não adianta fazer as perguntas certas para as pessoas erradas.

A hora da divulgação da pesquisa é tão importante quanto a elaboração dela. Se você quer validar uma dor ou um negócio, é imprescindível você saber a que público você está se referindo. Até porque as dores das pessoas são completamente diferentes dependendo de onde elas moram, o que elas fazem e como elas são. Não dá para validar um projeto de acessibilidade urbana com usuários sem mobilidade reduzida.

Sendo assim, é importante entender que público você quer ouvir e pensar na linguagem e no canal que alcançam esse público. É normal ficarmos tentados a fazer tudo pela internet, mas esquecemos que ainda há muitas pessoas sem acesso ou com acesso limitado a ela. Para tirar a dúvida, tente contato com alguém que seja o perfil do seu público e converse com ela sobre as pessoas ao seu redor. Ela provavelmente conhece mais pessoas com o mesmo perfil. Assim você terá uma ideia melhor de qual é a forma mais efetiva de conseguir alcançá-las.

Ter um grupo amostral muito pequeno

Validar sua ideia com meia dúzia de amigos pode parecer prático e tentador. E embora esse possa ser um primeiro filtro bom (você pode contar com a sinceridade delas!), não deve ser o único. A tendência é que você e seus amigos próximos sejam um grupo muito homogêneo, e não necessariamente a dor que vocês têm é algo representativo da realidade.

Assim como os estudos científicos confiáveis são os que têm um grupo amostral amplo e diverso, uma pesquisa vai trazer resultados muito mais confiáveis se também o tiver. E por grupo amostral amplo e diverso eu não quero dizer completamente diferente – lembre-se do seu público! É que ele deve ser diverso, nas características não definidoras do seu público.

Por exemplo, se você está fazendo um produto para pessoas loiras, as pessoas entrevistadas precisam ser iguais nesse aspecto, mas talvez não nos outros. Elas podem morar em bairros diferentes, serem mulheres ou homens, terem qualquer idade e profissão. E pela pesquisa você pode até chegar à conclusão de que as pessoas com determinadas características demográficas precisam mais da sua solução – coisa que você descobriu testando com um público variado.

Conclusão

Pesquisas são um tema complexo e bem extenso. No fim das contas estamos sempre fazendo o nosso melhor e aprendendo com os resultados e aprimorando as técnicas. Espero que esse texto tenha dado insights e ajudado você na sua jornada de entendimento do seu público.

Agora me conta: quais desses erros você já cometeu? Quais dicas foram mais úteis para você?

E vocês querem ler mais textos sobre o tema por aqui?

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